sexta-feira, 1 de junho de 2007

O Último Dia


Paradoxo de Tchecov. Um homem vai ao cassino, ganha um milhão, volta pra casa e se mata.


O Último Dia

Último dia de trabalho. Despedidas são sempre marcantes, todos de meias palavras, poucos sorrisos; exceto a despedida de Pedro, que está indo embora para realizar seu grande sonho. Enquanto caminhava, observando pela última vez todos os detalhes do prédio, muitos que sequer percebera em tantos anos dedicados à empresa, refletia:

“Esperei tanto por esse momento. Por vezes achei que nunca chegaria. Lembro de quando cheguei a esta empresa, jovem, meu primeiro emprego, já imaginando o dia em que me aposentaria e passaria a desfrutar da totalidade de meu tempo para realizar pequenos desejos”.

“Desde o início sempre fui muito sozinho por aqui. Alguns me olhavam com desconfiança e me chamavam paranóico. Pura implicância com algumas de minhas manias, eles não entendem. Que mal há em querer se sentir seguro? Para isso servem cofres e chaves, faço um bom uso deles!”.

Apenas Pedro não via o nível de sua obsessão pela segurança de suas economias. Ele guardava todo seu dinheiro em um antigo cofre, fechado a chave, atrás do armário de escova de dentes no banheiro de sua casa. Além disso, olhava constantemente se a chave continuava junto de seu corpo. A idéia de que alguém soubesse seu plano de felicidade e roubasse o que havia juntado com tanto sacrifício o atormentava.

Enfim chegou o momento do adeus, Pedro nunca mais retornaria a entrar no prédio da empresa, afinal nunca gostou de estar ali. Agora ele poderá pôr em prática seu plano: realizar pequenas vontades, coisas que nunca fez e que agora gastará suas economias satisfazendo todas elas.

Sai do prédio sem dizer nenhuma palavra a seus agora ex-colegas. Não é necessário, ninguém notará sua falta, pensa ele. Enquanto caminhava no mesmo trajeto que o levava em casa todos o dias, sempre olhando em todas as direções para se certificar que não havia ninguém a espreita, tentava escolher qual seria sua primeira atividade como aposentado. No meio do caminho, entre uma loja de doces e outra de moda feminina, havia um cassino.

Ele nunca entrara em um cassino, só os conhecia de alguns filmes que passavam na televisão. Portanto, resolveu que este seria seu primeiro passeio para aproveitar seu tempo livre. Entrou no cassino e ficou um pouco desapontado, pois não havia tanto luxo como nos que apareciam no cinema. Não era feio, muito pelo contrário, apenas diferente do que imaginara.

Entretanto, era hora de jogar. Olhou para o lado e viu uma mesa com muitas pessoas ao redor, foi conferir: era a mesa da roleta. Ficou fascinado com a bolinha girando, passando em cima das arestas numeradas. Decidiu que este seria o seu jogo, não tinha dinheiro pra ficar gastando à toa, afinal, sua aposentadoria estava recém começando, não podia gastar todas suas economias em tão pouco tempo. Aproximou-se da mesa e percebeu que não sabia como jogar. Resolveu pôr metade das fichinhas, que havia adquirido no guichê, no mesmo número: vinte e oito, o dia do seu aniversário. A bolinha girou, girou até parar completamente no número quinze. Pedro não desanimou, tentaria mais uma vez! Largou o resto de suas fichas novamente no número vinte e oito, a rodada valia um milhão. Pedro tinha certeza de que não ganharia nada. Um milhão é impossível, pensava ele. No fundo, ele não pensava isso, queria acreditar que seria um milionário em seu primeiro dia de férias vitalícias. Foi o que aconteceu, surpreendentemente, a bolinha parou exatamente na casa vinte e oito.

Estarrecido com a própria façanha, retirou-se lentamente e deixou-se cair em um sofá vermelho que ficava junto à parede próxima à mesa de jogo. Apesar de feliz, Pedro estava preocupado com as pessoas que o seguiriam para roubar sua nova fortuna. Caminhou até o guichê, trocou suas fichas por uma mala repleta de dinheiro e saiu do cassino furtivamente. Andava pelas ruas agarrado em sua mala, olhando para todos os lados, imaginando se aquelas pessoas que passavam por ele sabiam o que tinha nos braços. “Não, ninguém tomará esse dinheiro de mim, é meu presente. Meu!”, pensava Pedro.

Chegando em seu prédio, resolveu subir os oito andares de escada. Por mais que a idade já o atrapalhasse nesta atividade, achou melhor do que a possibilidade de ficar preso no elevador junto com sua mala. Alguém poderia chantageá-lo para que o retirassem daquele cubículo. Achava que poderiam levar o dinheiro. Subia as escadas devagar, prestando atenção em todos os ruídos. Ele percebeu passos! Passos lentos atrás dele, poderia ser o vento, mas pareciam passos. Começou a subir as escadas na maior velocidade que seu corpo agüentava. Os passos paravam e recomeçavam diversas vezes. Conseguiu entrar no apartamento. Desesperado juntou todos os pedaços de madeira que encontrou e pregou paredes e janelas. Queria se sentir seguro, sentir que ninguém alcançaria seu dinheiro.

Batidas na porta, não restava mais nenhuma dúvida: alguém estava ali. “Quem está ai? Vá embora! Deixe-me em paz”, disse Pedro. As batidas recomeçaram. Completamente desesperado, o aposentado arranca as madeiras recém pregadas de uma das janelas de seu apartamento, agarra a mala e, antes de se jogar, ainda grita “Ninguém roubará o que é meu!”. Enquanto isso, no lado de fora do apartamento, o carteiro continua a bater na porta esperando que alguém o atenda para assinar o boletim de entrega.

Nana Behle
março/2007


4 comentários:

Anônimo disse...

Uau. Eu não tinha lido seu texto do cassino...e quando você leu em sala, eu não estava. Legal,Nana. A esquizofrenia o levou.
Eu preciso rever o meu...assim que estiver pronto, você pode dar uma lida?

Muah!

Anônimo disse...

e agora, mais um gritinho: yahoo!

Daniele C. disse...

apesar de eu já saber o final.. me surpreendeu. penso que vc poderia colocar nomes mais exdrúxulos nos teus personagens. ahuahau
bem, continue escrevendo.
beeijo.

Lili disse...

acho que isso é falta...
...falta de férias hehehe

bjin