segunda-feira, 28 de maio de 2007

A Cidade

Conto escrito ontem para o concurso individual de contos da turma.

A Cidade

Havia muito tempo que Mauro andava dormindo ao relento. Desde que perdera tudo. Casa, mulher, cachorro, televisão, cama, tudo. Andava sem destino pelas ruas da cidade, mas sempre com uma ponta de esperança. Esperança de ter o mínimo de dignidade, de poder voltar para os braços de sua amada, sem vergonha e com algum dinheiro. Entretanto, desde que saíra em busca de uma chance, só encontrou fome, frio e desprezo.

Na mesma cidade, vivia Joana junto com seu filho João. O menino era seu orgulho, apesar de fraco e um tanto doente. Eles viviam em um bairro afastado do centro da cidade, em uma casinha pequena. Ela acordava todos os dias as cinco da manhã para trabalhar em uma casa de família. Enquanto passava o dia limpando janelas e azulejos, sua idosa vizinha tomava conta de João. Para ele era muito penoso, pois a senhora não tolerava nenhum ruído e muito menos bagunça. Seus dias se resumiam a esperar o retorno da mãe e aguardar ansiosamente pelos dias que ela tinha de folga.

A cidade, como muitas outras, era uma zona hostil e que não oferecia muitas oportunidades para pessoas sem estudos e pouca experiência, como Mauro. Até agora, ele sobrevivera com pequenas esmolas recebidas de algumas pessoas que por ele passavam e sentiam pena. Com a chegada do inverno às pessoas pareciam não ter mais tempo para sentir pena. Talvez o frio as obrigasse a passar correndo pelas ruas e assim não chegavam a notar pessoas que precisavam desesperadamente de qualquer ajuda. A fome e o frio reduziam as forças que Mauro ainda dispunha para procurar alguma forma de sobrevivência. Esmaecendo o brilho da esperança que ele ainda carregava.

Aquele parecia ser o dia mais frio do ano e Joana estava contente, pois não precisaria carregar baldes com água gelada para lavar nenhum chão, era sua folga. Resolvera aproveitar seu dia livre para passear com seu filho. Eles iriam caminhar em meio às pessoas no centro da cidade, depois ela tomaria suco de laranja olhando o rio enquanto João se divertiria com os brinquedos da praça. O plano parecia muito bom e a criança estava radiante com a programação proposta pela mãe.

Andando com passos lentos, mãe e filho desciam a rua coberta com pedestres em passos rápidos. Seguiam calmos, felizes por estarem juntos naquele dia gelado e bonito. Desciam devagar, absortos na companhia um do outro. Joana pensando em como era bom não ser sozinha, ter seu filho perto, e João pensando nos brinquedos e na possibilidade de fazer muito barulho sem que ninguém o mandasse ficar quieto.

Mauro já estava com suas forças esgotadas, sentia-se no limite entre o desespero e a insanidade. Ele começava a pensar em ir contra os seus princípios, afinal, já nem sabia se valia ter princípios em uma situação como a que estava enfrentando. Queria apenas sobreviver, queria uma chance de voltar a ser alguém, mas não conseguia ver nenhuma alternativa.

Descendo a rua com dificuldade, Mauro avistou a mulher e a criança que pareciam estar descuidados. Resolveu não pensar muito e, juntando o resto de energia que ainda possuía, correu em direção aos dois e arrancou a bolsa dos braços de Joana. Com o susto ela começou a gritar para que pegassem o ladrão. Havia tanta gente e a algazarra era tanta que não demorou nem um segundo para que João se perdesse de sua mãe.

Algumas daquelas pessoas apressadas se solidarizaram com a situação de Joana e, enquanto alguns corriam desesperados com medo de um eventual tiroteio, elas corriam atrás de Mauro. Na correria, a multidão atropelou João, pisavam em cima do garoto que já não encontrava voz para berrar e pedir ajuda. Eles só conseguiam pensar em sair daquela zona perigosa, correr até um abrigo, apesar de nenhum disparo ter sido ouvido.

Quando Joana percebeu que seu filho estava estirado e machucado no asfalto gelado, gritou e correu em sua direção. Abraçando solitária o filho que já não se movia. Enquanto a alguns passos dali, uma multidão se esmerava em dar chutes e pontapés no faminto Mauro.

Nana Behle
maio/2007